Populações periféricas, étnicas e de baixa renda nas pequenas e grandes cidades são vítimas de uma nova forma de agressão
Há somente cinco anos, um grupo de trabalho passou a combater, oficialmente, o racismo ambiental, na Rede Brasileira de Justiça Ambiental. A expressão é recente, mas já tem impacto nas políticas públicas. O objetivo é reunir denúncias, definir estratégias, campanhas e ações contra as injustiças ambientais que recaem sobre grupos étnicos vulneráveis — comunidades de baixa renda, povos indígenas, quilombolas, populações negras e migrantes, como nordestinos, e pessoas que vivem em situação de risco nas pequenas e grandes cidades.
A primeira ação desse grupo foi em Niterói, em seminário que contou com a participação da Universidade Federal Fluminense (UFF). A cidade que sediou o início do trabalho desse grupo é a mesma que viu a tragédia se abater sobre os habitantes do Morro do Bumba, onde 47 moradores morreram em deslizamentos causados pelas chuvas no início de abril.
Para a professora e doutora em Filosofia da UFRJ Íris Rodrigues, o caso Bumba é um clássico de racismo ambiental, de pessoas vítimas do modelo de desenvolvimento com base na destruição do meio ambiente e dos espaços coletivos de vida e de trabalho, sob desrespeito à cidadania e ao ser humano. “O modo de produção dos países capitalistas avançados é fundado sobre lógica de acumulação de capital e mercadorias, desperdício de recursos e consumo ostentatório. Você pode ver como as chamadas populações periféricas são pobres, negras, amarelas ou latinoamericanas”, analisa Íris.
“Nós, do terceiro mundo, como um todo, somos o depósito dos resíduos venenosos dos países desenvolvidos. Operários de baixa renda moram em lugares insalubres, nos lixões. E os camponeses estão expostos a agrotóxicos. Isso é racismo ambiental, porque são esses que estão mais expostos às agressões, em condições de trabalho inferiores. Esse conceito vem sendo trabalhado pelos ecossocialistas”, observa ela, que diz que, no Bumba, a chamada “Mãe Terra” gritou. “Ela mostrou que aquelas pessoas são gente e precisavam ter um tratamento melhor que viver ali com aquele soro do lixo escorrendo embaixo. Ali, ainda teve gente que disse: ‘Como é que as pessoas moravam ali e não sabiam que tinha lixo? Elas sabiam!’ Ora, as pessoas sabiam, sim, mas não tinham opção. Elas precisam morar. Só quem vive a situação de risco entende isso”, acrescenta.
O papel desses ecossocialistas é discutir a implementação de políticas públicas de condições favoráveis de vida para as populações expostas às piores formas de poluição e injustiças. Íris cita o filme Erin Brockovich, com Julia Roberts. “Contou como o corredor industrial do Mississipi, nos EUA, contaminou as pessoas no ‘beco do câncer’. Aquela água do câncer é fruto da contaminação pelos resíduos”, destaca ela, que ainda lembra outras agressões ambientais, de pessoas que moram em áreas de alta poluição, em São Paulo. Já há estudos em andamento que podem comprovar a alteração no leite materno entre essas mães muito expostas.
Críticas ao Estatuto da Igualdade
Há pouco mais de um mês, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o Estatuto da Igualdade Racial, que levou dez anos em tramitação no Congresso Nacional. A proposta, um documento de 65 artigos, é a de estabelecer políticas públicas de valorização aos negros, com o propósito de corrigir as desigualdades históricas de oportunidades e direitos dos descendentes de escravos do País.
Para o ministro da pasta, Eloi Ferreira de Araújo, a assinatura de Lula foi o resultado do esforço de “muitos e muitos anos das comunidades negras brasileiras”, com programas e medidas que valorizam as religiões africanas, classificam a Capoeira como esporte e estimulam o financiamento habitacional para os negros. Além disso, há previsão de regulamentação da garantia de ocupação de espaço no mercado de trabalho, concessão de cargos em comissão.
A queixa da maioria dos analistas é em relação à inexistência de cotas para escolas, trabalho, publicidade e em partidos políticos. O antropólogo Kabengele Munanga, professor da USP, acredita que a ausência das cotas desfigurou o estatuto, que não tem mecanismos claros para a igualdade.
Texto: Luciene Braga/O Dia/28.08.2010
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