terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Oscar pode vir para Duque de Caxias

A arte que vem do lixo

A indicação do documentário "Lixo Extraordinário", sobre a obra de Vik Muniz, ao Oscar joga luz sobre artistas, brasileiros e estrangeiros, que fazem renascer objetos e coisas que descartamos

Francisco Alves Filho

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BRASIL NO OSCAR
Cena de “Lixo Extraordinário”,
que concorre como melhor documentário

Descobrir o belo onde a maioria só enxerga sujeira e podridão. E, melhor, transformar esses dejetos em arte. Os adeptos dessa prática tiveram seus esforços recompensados na semana passada, quando o documentário “Lixo Extraordinário”, que mostra um projeto do artista plástico brasileiro Vik Muniz, foi indicado ao Oscar. Os benefícios decorrentes disso vão muito além do mero reconhecimento artístico da obra. O que o filme arrecadar será revertido para os catadores de lixo cariocas que trabalham no Aterro Metropolitano de Jardim Gramacho, onde diariamente são despejadas oito mil toneladas de detritos.

A ideia nasceu há quatro anos, quando uma produtora de filmes inglesa desembarcou no Brasil com o objetivo de fazer um filme sobre Muniz. Naquela época, ele trabalhava em uma série de fotos sobre lixo no aterro. Em busca de objetos, ele acabou encontrando pessoas, o que mudou a sua percepção e deu o rumo do que seria o documentário. “Imaginava que todos os catadores fossem tristes por trabalhar em condições tão desfavoráveis, mas eles construíram o seu próprio orgulho, alegria, sentimentos que os ajudam a enfrentar o cotidiano”, diz. Comovido, ele tirou o lixão do foco e transformou os catadores em protagonistas. Sete deles foram retratados em gigantescas telas compostas de coisas jogadas fora. Essas imagens foram vendidas, e a receita também foi parar na cooperativa do aterro de Jardim Gramacho, de onde 5 mil catadores tiram o sustento e que será desativado em 2012.

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O PROCESSO
Com base em fotografias que tirou, o artista plástico
Vik Muniz (acima) produziu telas gigantescas
com o lixo coletado no Aterro de Jardim Gramacho

Muniz definiu três caminhos para ajudar aquelas pessoas. A primeira foi uma contribuição pessoal de R$ 10 mil para cada um dos sete que participaram do documentário. A outra foi a venda das fotos, que acabou financiando a compra de máquinas e equipamentos para melhorar as condições de trabalho.

“O melhor legado foi a implantação de vários cursos de negócios para que os catadores aprendam a criar e administrar pequenas cooperativas”, afirma. Diante da iminente desativação do lixão, ele se diz preocupado com o destino dos catadores. “Quando aquilo acabar, restará um imenso problema ambiental e social. Se não for resolvido, vários aterros clandestinos podem surgir ali.” Por isso, tanto o artista quanto seus parceiros empresariais e até a equipe de produção se empenham em buscar alternativas para os trabalhadores do lixo. Uma das propostas é que nos futuros projetos de coleta seletiva seja utilizada exclusivamente a mão de obra dos catadores.

Vik Muniz, que virou a única pos­sível ponte entre a sofisticada Academia de Artes e Ciências Cinematográficas americana e o insalubre lixão de Gramacho, não sabe ainda se vai à cerimônia na qual será anunciado o vencedor. Sobre quem o acompanharia, ele adianta: “O ideal acredito que seja o Tião, o presidente da associação dos catadores. Seria lindo vê-lo pisando o tapete vermelho.”

Uma das pessoas mais marcantes do documentário, Tião é hoje conselheiro no trabalho que a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, o Instituto Coca-Cola e o projeto Doe Seu Lixo realizam para capacitar catadores. Ele começou a organizar a associação inspirado na leitura de um exemplar de “O Príncipe”, de Maquiavel, que achou no lixão. “Botei para secar atrás da geladeira e li com muita atenção. Esse livro mudou minha vida”, diz Tião. É ele o homem que Muniz espera ver transformado no principal defensor da bandeira dos catadores brasileiros. É mais um tipo de beleza vinda de onde antes só saía lixo.

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