terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Opinião: IPTU em áreas urbanas com destinação rural


Ao longo das últimas décadas, a sociedade vem acompanhando o processo de êxodo rural, com o fluxo de populações da zona rural para a urbana. Tal processo possivelmente será contabilizado no censo 2010 do IBGE, de maneira a sinalizar equilíbrio entre a população urbana com aquela que habita a zona rural. Por outro lado, com o gradativo crescimento populacional no Brasil e inchaço nas áreas urbanas, outro processo está cada dia mais marcante: o avanço das cidades sobre as áreas com atividades rurais nos municípios, notadamente sobre os cinturões verdes, que contribuem com a produção de alimentos, através de cultivos de hortigranjeiros e frutas, ou mesmo pequenas criações.

Conflito: ITR ou IPTU?
Tais atividades agrícolas, atualmente denominadas de agricultura urbana e periurbana, são estratégicas para gerar trabalho e renda, com a produção, industrialização e comercialização solidária de alimentos pelos
agricultores familiares urbanos e rurais. Adicionalmente, cumprem papel estratégico no abastecimento alimentar nas cidades brasileiras em especial as localizadas nas regiões metropolitanas, construindo cidades mais ecológicas e mais justas.
Logo, uma série de transformações está ocorrendo em decorrência dessa nova configuração da ocupação dos territórios. Nessa direção, mudanças no zoneamento urbano dos municípios vêm implicando na transição de áreas rurais para urbanas, fato que tem gerado muitos conflitos sobre cobrança de Imposto Predial e Territorial
Urbano (IPTU) em áreas urbanas com destinação rural, as quais se sujeitam à incidência do Imposto sobre
a Propriedade Territorial Rural (ITR). Contudo, é crescente depararmos com a inconstitucional tentativa de
Municípios de realizarem a cobrança do referido tributo.
Segundo Rodrigo Matheus e José Fábio Gasques Silvares, advogados do escritório Matheus Advogados Associados*, “o IPTU e o ITR têm seus parâmetros definidos na Constituição Federal de 1988 e no Código Tributário Nacional (CTN). O IPTU, de competência dos Municípios (CF, art. 156, I), possui como hipótese de incidência a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel localizado em zona urbana municipal. Já o ITR é um tributo de competência da União (CF, art. 153, VI), que tem como hipótese de incidência a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel rural. O conflito entre União e Municípios na cobrança do ITR e do IPTU foi regulamentado pela legislação complementar, especificamente pelo CTN e pelo Decreto-Lei 57, de 18 de novembro de 1966. Dessa forma, a área urbana é definida pela legislação de cada Município, a qual, por exclusão, acaba por delimitar a área rural. A questão, porém, não é tão simples, pois ao tratar do IPTU, o art. 32 do CTN estabeleceu que o IPTU incide sobre o imóvel localizado na área urbana, definida em lei municipal, mas desde que contenha ao menos dois dos seguintes melhoramentos construídos ou mantidos pelo Poder Público: (1) meio-fio ou calçamento (com canalização de água); (2) abastecimento de água; (3) sistema de esgotos sanitários; (4) rede de iluminação pública, com ou sem posteamento; e (5) escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel. O CTN contém dois critérios para definir a área urbana: um geográfico (localização do imóvel) e outro jurídico (a existência de dois melhoramentos). Assim, o imóvel localizado na área urbana, que não seja atendido por ao menos dois dos citados melhoramentos, não está sujeito à incidência do IPTU”.

Constituição deve prevalecer
De qualquer forma, manifestações do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado o entendimento de que a função social que está sendo dada a terra é o que interessa, independente se ela está em área rural ou urbana, devendo ser feita a cobrança de ITR nas propriedades que comprovadamente se dedicam à produção primária. Logo, a destinação rural dada pelo proprietário ou possuidor ao imóvel urbano afasta a incidência do IPTU, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativista, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial. E que o reconhecimento de não incidência sequer depende de prévio requerimento, bastando a prova da destinação rural do imóvel para anular o lançamento do IPTU.
Não obstante, alguns Municípios insistem na tentativa de cobrança de IPTU de imóveis urbanos com destinação rural. Entretanto, na análise dos advogados citados, a legislação municipal pode unicamente versar sobre o processo administrativo de reconhecimento da destinação do imóvel. A regra de não-incidência do IPTU decorre da lei federal (art. 15 do Decreto-Lei 57/96) e não da lei municipal. Portanto, havendo ou não no ordenamento municipal norma regulando o processo administrativo de reconhecimento de não incidência do IPTU sobre áreas urbanas com destinação rural, prevalece o previsto na Constituição, ou seja, incide o ITR.
Os contribuintes podem, mesmo diante da ausência de norma municipal específica, requerer à Municipalidade a não incidência do IPTU em imóveis urbanos com destinação rural, bastando que efetivamente comprovem a exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial no bem.
Diante desse contexto, torna-se necessário que proprietários, produtores e empresários fiquem bem atentos, pois com a desqualificação de territórios do município como área rural, além da questão tributária, outros conflitos podem surgir, tais como subsídios de energia elétrica à propriedade rural e dificuldade de acesso dos pequenos agricultores aos programas federais de financiamento como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar).
Texto: João Sebastião de Paula Araújo
Engenheiro Agrônomo, Ph.D., Coordenador do curso de Agronomia da UFRRJ e Coordenador da Câmara de Agronomia do CREA-RJ
Ilustração: Cláudio Duarte
Fonte: Revista do CREA-RJ, edição 84, setembro e outubro de 2010, páginas 28 e 29

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