MINHA CIDADE, MINHA CASA
As boas soluções que facilitam e os maus exemplos que dificultam ou impedem o vaivém das pessoas pelas ruas da cidade. ‘Bora’ bater perna por aí.
Giuliano Agmont
Sob meus pés, o passeio da rua Apinagés, em Perdizes, bairro de classe média de São Paulo, escolhido aleatoriamente. Levo a tiracolo uma trena, para medir o comprimento dos problemas e das soluções. E logo no primeiro olhar noto um degrau típico dos aclives paulistanos. É uma rampa para entrada de carros, que começa com 40 centímetros no muro do prédio e morre com um leve desnível na guia. "Quase intransponível para um carrinho de bebê", penso.
Variados pisos brotam do chão. Formam um mosaico de formas, cores e texturas. Tem de tudo, do concreto às pedras, dos bloquetes às lajotas. Encontro até o famoso desenho geometrizado do estado de São Paulo com ladrilhos, ícone da cidade. Sinto falta apenas das históricas calçadas com pedras portuguesas, obras-primas dos quase extintos mestres calceteiros. Uma profusão de revestimentos que ostenta lá sua poesia, mas denuncia também uma legislação ultrapassada, a que confere aos munícipes a responsabilidade de construir e manter os passeios da cidade.
"Não conheço nenhum outro país que funcione assim", estranha o britânico Philip Gold, consultor internacional de segurança viária, mobilidade urbana e acessibilidade. Segundo ele, esse é um sistema perfeito para garantir a péssima qualidade das calçadas. "A construção e a conservação deveriam ficar a cargo das prefeituras, afinal, elas fazem parte da via pública. E os moradores deveriam ser proibidos de mexer no passeio."
A ideia de Gold para as cidades brasileiras é ambiciosa e simples. Ele defende a criação de uma rede viária de circulação a pé. E uma rede contínua, que permita a qualquer um ir de um ponto a outro com as próprias pernas - ou braços, no caso dos cadeirantes -, sem obstáculos. É o que ocorre em Berkeley, na Califórnia, Estados Unidos, berço do movimento hippie e onde circulam muitos ex-combatentes da Guerra do Vietnã com suas cadeiras de rodas.
Descendo a rua Apinagés, tenho a certeza de que estamos longe de nossa rede interligada de passeios, como a de Berkeley. Meu filho menor, de 3 anos, que participa da empreitada, quase passa reto em um desnível de 1,20 metro de altura. Ali o morador usou a calçada para construir a rampa de acesso para sua garagem e criou um verdadeiro precipício para os pedestres. Mais adiante, outra armadilha: um rebaixado de mais de 1 metro de profundidade que acompanha o passeio por vários lotes. Ele existe porque as portas estão abaixo do nível da rua e, para poder entrar nos imóveis, as pessoas dependem desse vão, que ocupa quase metade da calçada.
Diante desse cenário, eu me lembro da avenida Paulista, um oásis em meio ao caos das calçadas da cidade. Com a recente padronização do passeio, a circulação por ali tornou-se mais segura, acessível e confortável. "Tem até gente que corre aqui de manhãzinha", diz o radialista José Joaquim Guimarães, que trabalha na região.
DEGRADAÇÃO E IRREGULARIDADES
A uniformidade parece um sonho distante para quem percorre o bairro de Perdizes. E as normas de construção de passeios, que existem, não são cumpridas por aqui.
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