Leia reportagem publicada em 10/01/2010 no caderno "Vida & Meio Ambiente", do jornal "O Dia".
Nem sempre a culpa é do clima
Ocupação desordenada em encostas, morros e margens de rios é a principal causa de tragédias que provocam perdas humanas e patrimoniais. A qualidade de vida também é afetada, com a contaminação de solos e da água
Nas últimas semanas, a natureza mostrou, de forma cruel, o preço de ocupação desordenada das cidades, com desrespeito às limitações geográficas e ambientais. Esses fatores encontraram reflexo, em especial, nas tragédias do dia 1º em Angra dos Reis e na Ilha Grande, no litoral sul fluminense, onde o desconhecimento e a falta de previdência resultaram em perdas de vidas e patrimônios. Mas as conseqüências, poucos avaliam, são para além dos acidentes e causam males contínuos. Construções em encostas, morros e à beira de rios contaminam solos, lençóis de água e também agridem o meio ambiente.
Ex-presidente da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS) e professor da disciplina na PUC-Rio, Alberto Sayão afirma que, a despeito da legalidade das licenças para as construções, infortúnio como o que ocorreu na Enseada do Bananal, na Ilha Grande, poderia ter sido evitado se o terreno tivesse passado pela avaliação de um especialista.
“O risco é formado por dois componentes: o primeiro é a probabilidade de ruptura do solo e deslizamento; o segundo é a consequência dessa ruptura, em custo e número de vidas. Na probabilidade de ruptura, entram fatores como tipo de solo, umidade e inclinação, a parte geométrica”, diz. Cada corte em parede de solo, em geral, de baixo para cima, altera artificialmente a geometria do terreno, fragilizando seu cume. A instabilidade causada nas partes elevadas pode ocasionar de movimentos repentinos de grandes massas de terra e rochas a catástrofes.
O engenheiro lembra Hong Kong, na Ásia, que na década de 1970 começou a enfrentar problemas com ocupação não organizada de encostas. “A cidade tinha muitas semelhanças com o Rio, em densidade populacional, geologia, topografia e clima, que é subtropical com chuvas. Quando as comunidades começaram a subir os morros, o poder público optou pela remoção, construindo conjuntos habitacionais nas bases. Eram prédios de seis, oito andares, sem elevador. Mas funcionaram”, observa Sayão.
Com topografia e geologia semelhantes às do Rio, Hong Kong, na Ásia, construiu conjuntos habitacionais para impedir expansão de comunidades nas encostas
Microclima e chuvas podem ser alterados artificialmente
Cada casa construída em encostas, morros e margens de rios, observa o professor e engenheiro Alberto Sayão, influi na vida das pessoas e impacta o meio ambiente. A qualidade da água é afetada pelo sistema de esgotamento e despejo de lixo, o que pode provocar doenças, e o desmatamento para a ocupação, no longo prazo, altera o microclima de uma região, mudando até o regime de chuvas. “É como uma cicatriz”, completa Sayão.
A erosão e o desmatamento urbanos causam a morte da fauna e da flora e soterram lagos e rios – fenômeno conhecido como assoreamento. Esse processo preenche o volume original dos rios e lagos e, com as grandes chuvas, os espelhos de água extravasam, causando as grandes enchentes.
Sayão defende a criação de um órgão estadual que ordene a ocupação nas cidades, a exemplo da Geo-Rio. “Muitos municípios, como Angra dos Reis, não têm condições de assumir esse responsabilidade sozinhos”, argumenta o engenheiro. Mas ele vê avanços rumo às soluções. “Até bem pouco tempo, mesmo as autoridades culpavam as chuvas pelas catástrofes. Agora, o discurso é outro. Estão assumindo que é preciso ação. É uma mudança de atitude positiva”, conclui.
Texto: Leila Souza Lima (O Dia)
Foto: divulgação
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