terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Saiu no jornal

Confira reportagem publicada no caderno "Vida & Meio Ambiente", do jornal "O Dia", em 27/12/2009.

“Maior do mundo”
Projeto desenvolvido na Ilha de Mexiana, no Pará, permite pesca do pirarucu sem dizimar espécie
Caboclos marajoaras não escondem a felicidade com a pesca farta na época certa.
Eles vêm desenvolvendo maior consciência sobre a exploração não predatória do pirarucu

“Maior do mundo aquiiiii!”. O grito do caboclo marajoara ecoa na paisagem seca e árida, agora em fase de mudança, por conta da chegada das chuvas, da Ilha de Mexiana (PA). E é nesse “pingo” de terra banhado pelo estuário do Rio Amazonas, cortado pela linha do Equador e de cara para o Oceano Atlântico, que o maior peixe de água doce de escama do mundo, o pirarucu, se reproduz e cresce. Mas também alimenta projeto de desenvolvimento sustentável que mostra a possibilidade que mostra a possibilidade de exploração dos recursos da Amazônia pelo homem sem causar desequilíbrio ou dano à natureza. O Projeto Pirarucu se desenvolve na Fazenda Santo Ambrósio. É por lagos interligados a uma rede de canais que o peixe circula livremente. Graças a esses canais abertos pelo homem, os pirarucus deixaram de morrer secos no leito dos lagos de várzea e riachos da propriedade, quando as chuvas desaparecem do Arquipélago do Marajó, onde Mexiana está situada. Além, claro, de permitir a entrada e saída dos peixes na fazenda em épocas de cheia e o manejo dos animais que serão pescados com fins comerciais, como aconteceu em novembro, quando, em um só dia, 12 toneladas de pirarucu foram fisgadas. Para da carne seguiu para o exterior. A produção sustentável para fins comerciais tem retorno de diferentes formas. Seja através das pesquisas que ajudam a conhecer melhor a espécie; seja nos conceitos ambientais que vão sendo agregados pelos ilhéus; seja na preservação do pirarucu – a despesca tem padrões específicos para que o ciclo reprodutivo não seja atingido –; seja pela melhoria da qualidade de vida dos caboclos por conta da geração de recursos. “Nosso projeto é de autossustentabilidade. E acreditamos que pode revolucionar e mostrar uma vocação da Amazônia”, aposta o empresário paraense Luiz Rebelo Neto, idealizador do empreendimento que vem atraindo variada trupe de visitantes a Mexiana para ver, pescar e provar o “maior do mundo”: de pesquisadores até renomados chefs, como o catalão Ferran Adrià.
Paixão dos japoneses pelo pirarucu inspirou ideia
De projeto turístico a um empreendimento sustentável. Empresário paraense criou área para orientais pescarem. Hoje, canais e lagos garantem sobrevivência do peixe e de famílias

O Projeto Pirarucu foi idealizado a partir da paixão de um povo do outro lado do planeta pelo peixe milenar. “Em 1986 estive no Japão e percebi a paixão dos japoneses pelo peixe. Para o japonês, o pirarucu é um mito. Então pensei: por que não proporcionar a eles a emoção de pegar um?”, conta Luiz Rebelo. Da ideia inicial, então mais voltada para o turismo, ao projeto hoje em desenvolvimento muita coisa aconteceu, especialmente a concepção do empreendimento.
A começar pela estrutura implantada em Mexiana. Atualmente, são cerca de 50 quilômetros de canais abertos e 2 mil hectares de lagos perenizados – a meta é chegar a 20 mil hectares de lagos. Da observação do peixe, pesquisas e o conhecimento dos caboclos surgiu a linha hoje definida e metas para permitir melhor reprodução da espécie, além do manejo. Um laboratório e tanques especiais ajudam a proteger os alevinos do pirarucu dos predadores até o crescimento do peixe.
“Nosso objetivo é melhorar a reprodução e assim reduzir a quantidade de peixes mortos”, destaca Rebelo. Pesquisa à parte, ele acentua que a rede de canais interligados aos lagos não impede que os pirarucus migrem para fora da fazenda, e vice-versa, na época das cheias alimentadas pelas chuvas, que começam em fins de dezembro e seguem por alguns meses. O manejo permite a abertura de comportas. É no período da cheia que o pirarucu procura as área alagadas e protegidas de várzea para se reproduzir.
Luiz Rebelo e os tanques para criação de filhotes que vão para os lagos
Canais continuam sendo abertos nas terras da Fazenda Santo Ambrósio

“O peixe aqui tem a liberdade de sair, pegar o Rio Amazonas e ir. Durante quatro meses do ano ele tem acesso ao Amazonas. De início, os lagos secavam, os adultos saíam quando as águas começavam a baixar, mas os filhotes deles não conseguiam sobreviver. Eles morriam porque os lagos secavam, não eram perenes”, explica. Com a manutenção dos grandes lagos, melhoraram as condições de acesso da água ao Amazonas, que tem influência das marés. “E aí passou a não faltar mais água. E esse peixe que morria seco hoje cresce e é capturado na hora certa”, acrescenta.
Para evitar que a predação do pirarucu dizime outras espécies, essas também têm a reprodução incentivada. “Trabalhamos essa reprodução para manter o equilíbrio. Em 2010, serão 20 milhões de alevinos de espécies variadas”, diz Rebelo. Além dos investimentos no negócio, o sucesso do projeto da Fazenda Santo Ambrósio também é explicado pelo respeito aos conhecimentos dos nativos sobre a natureza do local. “Tivemos grandes projetos da Amazônia, com muito dinheiro, que não deram certo, como o caso do Jari e da Fordlândia. Têm que ser resolvidos com as nossas dificuldades. E o caboclo conhece isso bem”, aposta Rebelo.
Caboclos aprendem a preservar a rica fauna dos riachos e lagos da região
Natureza é espetáculo à parte na ilha

Os pirarucus são a grande atração de Mexiana. Mas é impossível não se olhar ao redor de rios, canais e lagos. O conjunto de fauna e flora, que muda completamente entre as épocas de alagamento e seca, fazem parte da ilha um lugar ímpar no Arquipélago do Marajó.
Além da fartura de peixes, por lá já foram catalogadas 189 espécies de aves, inclusive as aquáticas. Não é raro se verem revoadas de tucanos pela manhã. E gaviões a planar pelos céus.
Pelos campos, além de búfalos e cavalos marajoaras, é possível topar com bandos de capivaras ariscas, porcos-do-mato, tatus e até felinos.
Nada que assuste os moradores da vila de funcionários da Fazenda Santo Ambrósio, dotada até de escola. Ali, eles são parceiros da natureza.
Sucuris, quando encontradas, são devolvidas para áreas de mata fechada
Carne, escamas e pele do peixe são aproveitados

A prova de que o pirarucu se adapta aos criadouros da Fazenda Santo Ambrósio é a chegada anual dos cardumes com as cheias para o período de reprodução. “Se ele não for atacado, fica no local acompanhando o filhote até o mesmo alcançar 50 centímetros. Se for atacado, abandona tudo e vai embora. E aí, as piranhas atacam os filhotes”, explica José Eli Rocha Sá, o Zé, um dos pescadores da colônia da Ilha de São Miguel, em Santarém (PA), que em novembro participou da despesca nos lagos de Santo Ambrósio.
O grupo, pela experiência desenvolvida na Ilha de São Miguel, faz a contagem do número de peixes nos lagos, além de participar da pesca. A contagem é visual e ocorre em ciclos de 20 minutos. Ou seja, durante esse período, é observado o número de peixes com base no respiro e movimentos na água.
E nesse caso, o tamanho é documento. Afinal, só são contados e retirados dos lagos os animais já em tamanho para abate, geralmente com peso entre 25 kg e 45 kg. Mas o pirarucu – também conhecido como bacalhau da Amazônia, quando salgado – sempre surpreende e não raro são encontrados exemplares na casa dos 2 metros de comprimento e mais de 65 kg – como aconteceu em novembro. Relatos científicos falam de peixes com até 3 metros e 200 kg.
Atualmente as técnicas de abate estão sendo modernizadas e o choque térmico, com a imersão do peixe em tanques com gelo, é utilizado. Dos pirarucus capturados, aproveita-se não apenas a carne. As escamas viram lixa de unha e ganham formas diversas por artesãos. O couro vem sendo submetido a experiências para uso futuro na confecção de calçados e bolsas.
“Hoje, tiramos de 5% a 10% dos peixes adultos que encontramos quando ocorre a despesca. Para o futuro, tendo um plantel maior, vamos ampliando a retirada”, ressalta Luiz Rebelo.

Pirarucus selecionados para o abate recebem choque térmico após pescados

Em novembro, foram pescados alguns exemplares com mais de dois metros
Texto e fotos: Fabiana Sobral/O Dia

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