A História traz lições que não devem ignoradas num momento em que 192 países se reúnem para discutir formas de combater o aquecimento global, em Copenhague. Mudanças climáticas muito menores e mais localizadas do que as que ameaçam o mundo agora já varreram culturas do mapa outras vezes no passado. Acredita-se que a falta de capacidade de enfrentar desequilíbrios ambientais tenha sido fator determinante para o declínio da civilização maia e o fim dos vikings da Groenlândia, do povo nazca, do Peru, e dos rapa nui, os primeiros colonizadores da ilha de Páscoa.
Visão aérea de linhas feitas pela civilização nazca, do Peru:
corte descontrolado de árvores expôs agricultura à fúria do El Niño
Coordenador do Laboratório de História e Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, José Augusto Pádua explica que povos que já estavam no limite simplesmente não conseguiram enfrentar alterações em seu mundo. O clima não os eliminou de uma só vez, mas foi fator determinante num processo de declínio.
Sombras da destruição
Quando os espanhóis chegaram, por exemplo, os maias já não eram mais uma civilização poderosa, mas uma cultura fragmentada, sequer uma sombra de seu passado. Estudos indicam que um violento El Niño teria sido o golpe final numa civilização que já havia esgotado a maioria dos recursos naturais que propiciaram seu desenvolvimento.
“Ocorreu acentuada queda demográfica”, pondera Pádua. “As grandes cidades e construções, como pirâmides, foram abandonadas, e os sobreviventes voltaram-se para organizações menores”, acrescenta.
Ruínas maias de Tikal, Guatemala: vegetação existente hoje no local
cresceu após a decadência da civilização
A civilização maia habitou os atuais territórios de México, Guatemala, Belize e Honduras por cerca de 3.500 mil anos, e desapareceu pouco antes da chegada dos europeus. Os maias desenvolveram refinada astronomia, um calendário de 365 dias, escrita por hieróglifos e um sistema matemático. Mais isso não foi suficiente para que sobrevivessem como cultura. Foram vítimas da destruição da floresta e de um crescimento demasiado da população. O El Niño teria sido a gota d’água.
“A concepção de uma cidade maia é parecida com a de hoje: existiam espaços livres, bairros com estradas entre eles e sistema de captação de água”, conta Alexandre Navarro, da Universidade Federal do Maranhão, que estuda a cultura maia. “O desmatamento, porém, foi intenso. Não havia casas em meio à floresta tropical, porque a mata foi totalmente devastada. As florestas que hoje cercam os sítios arqueológicos maias são secundárias, não foi a floresta conhecida por aquela civilização”.
Amostras de pólen datadas por pesquisadores mostram que, no período final dos maias, dos anos 600 a 850, a quantidade de árvores na região era praticamente nula. Neste período, segundo Navarro, a temperatura da região aumentou até 4°C. O último registro conhecido daquela civilização é de 909. À época, diversas cidades já tinham sido abandonadas.
“Só conseguiram sobreviver por mais tempo as cidades próximas aos lagos, que lidaram em melhores condições com a seca e estavam integradas a uma rota de comércio a longa distância”, assinala o pesquisador. “Mas até os lagos ficaram esgotados, assim como o solo, graças à prática de queimadas na agricultura”.
O destino dos rapa nui da ilha de Páscoa conta uma história parecida. De tão remota, a ilha foi a última do Pacífico a ser conquistada pelos polinésios. A dois mil quilômetros da Polinésia e a uma distância ainda maior da América do Sul, a ilha se tornou cenário de devastação ambiental. E sua cultura desmoronou em meados do século XV, menos de 600 anos depois da chegada do homem. Acredita-se que na época existisse uma população de 20 mil pessoas.
Devastação na ilha de Páscoa
Conhecida hoje por suas estátuas gigantes, de até 20 metros, a ilha de Páscoa foi cenário de um dos maiores desmatamentos já documentados. Em 1722, quando o explorador holandês Jacob Roggeveen chegou à ilha, não havia árvores com mais de três metros de altura. A exposição da terra ao vento e à chuva acelerou o processo de erosão e inviabilizou a agricultura. Os campos de cultivo foram tão prejudicados que, em determinado momento, só teria restado ao povo rapa nui apelar para o canibalismo, segundo algumas fontes.
Os chefes tribais foram derrubados e houve uma sucessão de guerras. Segundo o historiador alemão Wolfgang Behringer, autor do livro “A história cultural do clima”, a ilha de Páscoa era habitada por menos de 200 pessoas no final do século XIX.
“Há ainda polêmica sobre o desaparecimento dos rapa nui”, alerta. “Pesquisas indicam a erosão do solo como uma das causas da redução dramática da população. Mas um outra catástrofe natural pode ter contribuído para o desaparecimento desse povo”.
As estátuas da ilha de Páscoa, no Pacífico:
tudo o que sobrou após o desastre ambiental
Na costa oeste da América do Sul, uma briga contra as forças da natureza pôs fim à cultura nazca. Dela, ficaram as linhas famosas em todo o mundo. Um estudo publicado na revista “Latin American Antiquity” em novembro afirma que 1.400 anos atrás, um El Niño especialmente violento causou enormes danos a um povo que havia destruído sua única defesa contra o clima desértico da região.
Os nazca desmataram intensamente o território onde viviam e deixaram o solo vulnerável à erosão. O El Niño trouxe enxurradas e depois, seca. E então esse povo viu suas plantações darem lugar ao deserto.
Vikings perderam briga com geleiras
Também na hoje totalmente gelada Groenlândia há vestígios do que o mau uso do solo e as mudanças naturais do clima podem fazer. Quando os colonizadores vikings chegaram à Groenlândia, no fim do primeiro milênio da era cristã, a ilha tinha terras verdes e férteis. Após cerca de quatro séculos, porém, o tempo esfriou e as geleiras (que hoje retrocedem) avançaram. O mar se fechou de gelo e o clima se tornou frio demais para permitir a agricultura. A navegação, meio de vida daquele povo, tornou-se impraticável.
Os vikings foram expulsos da Groenlândia porque a mudança do clima acentuou o problema que eles mesmos criaram ao destruir a vegetação natural, cortando as árvores para construir casas e embarcações. Os animais domésticos não permitiam que as plantas se regenerassem, e onde havia floresta sobraram apenas pastagens.
“Houve deficiência daquela sociedade em avaliar o risco de permanecer ali, mesmo com os crescentes riscos ambientais, inclusive a instabilidade geológica”, avalia Pádua.
Em seu livro, Wolfgang Behringer destaca também a região do Deserto do Saara, que, por volta do século VII a.C., teria sido fértil. Análises de pólen indicam que existia vegetação mediterrânea naquela região, favorecendo o surgimento da pecuária e a criação de gado. Quando o clima mudou e se tornou árido, os povos que ali viviam tiveram que se mudar. Behringer diz que agora o desafio é maior, pois a ação do home acrescenta um fator extra de mudança ao regime climático da Terra.
“Hoje verificamos algo que nunca existiu antes: o aumento da temperatura provocado pela liberação de gases do efeito estufa”, explica Behringer. “Quando passarmos por uma época de aquecimento natural, provocada, por exemplo, por mudanças na atividade solar, o aumento da temperatura será mais intenso”, completa.
Behringer não descarta a possibilidade de que, em pleno século XXI, civilizações desapareçam em consequência das mudanças climáticas.
“É mais fácil superarmos essas transformações com o desenvolvimento de novas tecnologias. Mas não estamos a salvo de catástrofes naturais”, diz o pesquisador alemão.
Texto: Renato Grandelle/O Globo
Colaboração: Graça Magalhães-Ruether/O Globo
Colaboração: Graça Magalhães-Ruether/O Globo
Fotos: internet
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