terça-feira, 19 de agosto de 2014

Marina e as eleições

* Samuel Braun


Pouco tenho escrito esse ano sobre eleições. Muito por conta do desencanto que toda a sociedade, e não só no Brasil (mas principalmente), tem demonstrado com a hipócrita reprodução de mecanismos institucionais como se democracia fossem. Mas, diante do fato novo, senti que cabia uma análise.
Até porque, passei minha adolescência e começo da fase adulta militando pelo mundo que quero construir dentro do PSB. Lá fiz movimento estudantil e me inseri em direções partidárias, ainda muito novo, aprendi bastante e pude ter uma vivência riquíssima que em muito ajudou a hoje ser um crítico do modelo político para além do conhecimento teórico meramente. As experiências valem muito, e se combinadas com a teoria, são um néctar!

Mas de qualquer forma, mesmo como um ferrenho defensor da necessidade urgentíssima de que aprendamos fazer política em rede, com autonomia, despertando novos agenciamentos, novos atores, radicalizando na democracia, creio que os fatos desta semana trazem para o debate eleitoral, para o seio da política institucional, uma brecha fenomenal para que estes valores de nosso tempo rompam o muro da reprodução mecânica e indiferente da política.

Enquanto a família, os amigos e companheiros de fato ainda não devem estar refeitos do acidente trágico e arrasador da morte de 7 pessoas, pais, filhos, irmãos, seres humanos com suas histórias de vida, que independente da trajetória política, eram indivíduos, comportavam cada um seu universo de afetos e valores, a história já os tem como personagens de um evento datado. Personagens estes que pelo espaço social que ocupavam, provocam muitos desdobramentos com sua inesperada passagem.

Marina Silva estaria naquele avião, segundo dizem, e só não adentrou porque decidiu gravar um vídeo para a Rede, seu partido-movimento, que muito embora não tenha registro, nem tempo de TV, é tratado por ela com a mesma atenção que o PSB, o partido que a abriga junto de seus companheiros de luta. Assim, Marina pegou um voo normal para São Paulo, iria gravar este pequeno vídeo, e depois se juntar à Eduardo em Santos. Mulher de fé que é, dirá que Deus decidiu não ser sua hora, mas o certo é que seu denodo com a Rede a tirou daquele jatinho.

A trajetória de Marina
Marina tem uma trajetória agitada, mas coerente. Ela não se apega à siglas ou cargos, mas a ideias, e muitas vezes esse apego a faz ir pelos caminhos mais inacreditáveis. Inclusive pegar um avião de carreira pra gravar um videozinho em vez de se refestelar no jatinho particular. Foi assim também que, após construir longa carreira no PT, ao lado de Lula e inspirada por Chico Mendes, Marina chegou ao Ministério, foi aclamada como melhor ministra do meio-ambiente nacional e internacionalmente, esbarrou numa parede ideológica (que opõe progresso e preservação) e simplesmente decidiu sair do PT e prosseguir defendendo o que acreditava onde pudesse continuar defendendo.

Nada mais óbvio que uma ida ao PV. O partido ambientalista a convocou para uma candidatura a presidência sem muitas expectativas. Ela surpreeendeu (novamente) e chegou com 20 milhões de votos. Mas o que mais chamava atenção não eram as propostas técnicas pró meio-ambiente, mas propostas de uma repactuação institucional, uma reviravolta na política. Em tempos de 'irrepresentatividade' isso alavancou sua candidatura. O capital político desse "caminhão" de votos faria do PV finalmente player nacional. Mas qual a origem dos votos? A crítica à política centralista. E no PV imperava (e impera, há 2 décadas) o domínio de um só homem e seus escolhidos. Democracia passa mais longe dali do que de "comitês centrais stalinistas". Após um ano e meio de tentativas de expor que não se conciliava um partido assim com a defesa do legado dos votos por uma "nova política", Marina mais uma vez saiu.

Fácil agora chamá-la ou de covarde, irritadiça, ou de fiel aos valores e ideais. Argumento pros dois lados. Após ser especulada no PPS e em outros pequenos partidos, Marina persistiu num movimento que debatia exaustivamente modelos de participação democrática, deliberação em rede, sustentabilidade, etc. E a menos de seis meses do prazo final, apresentou o resultado dos debates do movimento: um partido que dizia estar ciente de que partidos estão com dias contados. Um partido que se apresenta como parte do problema, não como messias. Ou seja, podemos dizer que Marina outra vez resolveu polemizar. Será?

A Rede e o caminho pro PSB
Na tentativa de criar esse partido, na coleta das assinaturas, o caminho conhecido era óbvio: alguns milhões de reais emprestado por algumas empresas, a contratação de alguma empresa terceirizada, e a eficiente coleta de rabiscadas no papel. Não são apoiamentos políticos, são rabiscos, só rabiscos. Mas no jogo de cena cartorial, isso bastava. Dona Marina embranquece os cabelos de alguns e diz que os meios definem os fins: a coleta tinha que ser voluntária, com equipes profissionais mínimas apenas na organização, buscando apoios políticos e não assinaturas meramente. Não deu n'outra: 900 mil assinaturas só.

Mas o mínimo exigido era 500 e poucas mil assinaturas. A diferença foi dinamitada através de uma denunciada e escancarada utilização da máquina cartorial para não analisar as assinaturas e referendá-las. Muitas foram rejeitadas, mas sem dizer qual o motivo. Outras tantas sequer foram analisadas, foram ignoradas. Esperneios jurídicos, pressões, gritas para que a lei fosse aplicada, mas o tempo jogava contra junto da burocracia bem orquestrada. Faltaram umas dezenas de milhares de assinaturas da meta de mais de meio milhão. Mas faltaram. Acabou pra Marina, sem partido, sem candidatura, ostracismo de 8 anos, capital político pro ralo.

No último dia, marina surpreende até seu reflexo no espelho: chama Eduardo Campos, postulante solitário a terceira via, e propõe um acordo. Ela entra no PSB, traz seu capital político, e Eduardo oferece o partido para que as ideias da Rede e do PSB sejam afinadas até que um projeto em comum seja apresentado à sociedade. Ganha o PSB também, que supõe garantir pelo menos os 20 milhões de voto dela. Durante meses ela rigorosamente defendeu que a candidatura era do anfitrião, e ela seria a vice. E assim foi. Até que...

O capital político.
É interessante relembrar os cenários de intenções de votos nesse período todo. Antes de junho do ano passado e dos movimentos nas ruas e nas redes, Marina mantinha 14% dos quase 20 que teve na eleição. Um excelente recall. Mas chegou a 27% logo após os protestos, capitalizando novamente a esperança de uma mudança no quadro institucional e ultrapassando não só sua marca de 2010, como o candidato do PSDB. Dilma, à época, despencava de 50 e poucos por cento para 30% em média. Em outubro daquele ano, alcançou 29%. Em abril desse ano, após meses negando ser candidata em benefício de Campos, Marina ainda persistia com 27%, no último levantamento que colocou seu nome, já tudo certo que campos era o candidato. Nas pesquisas internas do PSDB, ela aparecia com 14% em julho, ou seja, há poucos dias.

No campo das especulações para a possibilidade dela ser candidata agora, já vi "chutarem" ela com 22%, 25%, 10%, 15% e até "quase 30%". Nesse mesmo método, o chutódromo, atribuindo valores arbitrários a variáveis (como comoção, carisma, etc), eu imagino que ela se aproximaria mais de 15 a 17 por cento de imediato, e que isso sendo explorado pelo pronto protagonismo que ganharia, e todos os demais fatores (ligação com a crítica à política tradicional, imagem pessoal, discurso afinado, comoção pela morte de Campos, etc) a levaria pra um patamar pelo menos próximo do que teve ano passado, algo em torno de 22 a 25%. É preciso salientar que ela terá mais de dois minutos de TV, quase três vezes o que teve em 2010, uma máquina de campanha incomparávelmente superior a daquela eleição e um fator a mais: em 2010 quase todos falavam que se a eleição demorasse mais 2 semanas ela ia pro segundo turno, porque sua arrancada foi nos últimos 10 dias de campanha. Esse ano, o efeito onda de sua campanha pode estar começando 35 dias antes. Não é desprezível este detalhe.

A crítica a Marina
Mas para além disso, é preciso abordar os pontos negativos também. Marina traz consigo uma gigantesca carga positiva, mas outra, equiparável, de detratores.Os argumentos mais usados contra ela: 1) oposta ao progresso, ao crescimento, por não transigir na defesa do meio-ambiente, da sustentabilidade, 2) ser contra os direitos de minorias e pautas libertárias (aborto, drogas, homossexuais, etc) por professar uma fé cristã evangélica e 3)ser apolítica, personalista, traidora, direitista.

A primeira questão é muito levantada por setores bem à direita no espectro político, como os grandes produtores do agronegócio (donos de terras do tamanho de pequenos Estados dentro do país, é bom lembrar, e atualmente defensores da "semente da morte" terminator) reunidos na CNA e grupos de empresários ligados ao sistema financeiro ou industrial (que vivem do rentismo - quase agiotagem oficial - e da produção social e ambientalmente irresposável). Como expoentes de duas eras do capitalismo já superadas ou em superação, uns defendem um modo explorador quase selvagem, pós-medieval, outro ignora os aprendizados trazidos pelas crises econômicas globais advindas da desregulamentação e da submissão da economia real à loteria de derivativos e outras equações matemáticas, e negam-se a entender o que os países com maior índice de desenvolvimento humano já reconhecem ha tempos: a sustentabilidade de qualquer empreendimento depende da preservação da fonte de recursos e da utilização destes sem comprometer o meio (ambiental e social) onde são produzidos. Trata-se pois não de um desvio de Marina, mas de duas visões distintas de mundo.

A segunda questão é a levantada tanto por militantes de esquerda tradicional como por diversos grupos de defesa de minorias. Em que pese marina ser evangélica, ou seja, praticar sua fé pessoal em uma expressão religiosa instituída como igreja, já foi instada a se posicionar sobre estes temas, como todos os candidatos a presidência em 2010, e a todos estes temas prometeu não decidir conforme sua crença pessoal, mas através de plebiscito. Diferente de Serra, cristão também, e Dilma, atéia, que se negaram a se posicionar sobre a questão ou pô-la em debate. Sabemos sobre Dilma e seu governo: estes debates não foram feitos, nem com a sociedade, nem por proatividade executiva. Talvez seja sensato supor que ter a CNBB como conselheira informal, Edir Macedo e os líderes da Assembléia de Deus como cabos eleitorais sejam provas muito mais concretas de oposição à estas minorias e liberdades do que professar pessoalmente alguma fé.

A terceira questão é filha única da disputa política. marina não pode ser apolítica, se é, há anos, uma das maiores personalidades políticas do país, se organiza movimentos políticos, disputa eleições, debate e opina sobre temas sociais, etc.  Decorre desse protagonismo político a idéia de personalista. Ora, o modelo é centrado em representantes, personas que ocupam o lugar de muitos pelo voto. Se o sistema é personalista, poderia-se ainda advogar que Marina sempre propôs e praticou tentativas de participação ampla e inclusiva quando poderia simplesmente decidir e levar os louros do poder. Aliás, sempre a criticam por isso, chamando-a de louca, desorientada, etc; Traíra é algo que apenas os petistas lhe direcionam, mais como um mecanismo de defesa do que um adjetivo fundado, até porque os militantes do PV jamais recorreram ao mesmo. Quanto à direitista, seria também lógico supor que se toda a direita tem pavor dela, mais do que dos representantes dos que a chamam de direitista, algo esta fora do lugar nessa alcunha.

O que em Marina causa temor em PT e PSDB?
Mas seria Marina então a encarnação do bem? A redenção messiânica que tanto esperávamos? Nenhuma crítica subsiste contra ela? Incorruptível? Bastar-nos-ia entregar-lhe o governo e tudo se resolveria? Em que pese já termos feito isso em relação a Lula em 2002, não trabalho com esse caminho, porque pra alguém como eu que defende autonomia, liberdade e horizontalidade, entregar-se a alguém jamais pode resultar na defesa destes valores. Seria uma contradição em termos. O que Marina poderia provocar, sendo bastante honesto, é mais caos. Sim, o mesmo caos que 2013 trouxe nas ruas. Um caos que é latente e disfarçado por aparência de normalidade, mas que precisa ficar patente para que se transforme em verdadeira democracia. É preciso dizer que este modelo não atende. Que ele é impermeável á democracia . Que suas regras e acordos são uma afronta permanente. E que a maior expressão disso é o véu ideologizante de que a rivalidade dicotômica entre PT e PSDB, dentro do mesmo modelo, irá nos levar para fora desse modelo. Não, não vai. Mesmo o PT só volta pra seu Projeto Democrático e Popular se o projeto de governabilidade (o Lulismo, a conciliação conservadora) acabar.

Por isso PT e PSDB tem muitos motivos para temer Marina como candidata, agora, nessas condições. O PSDB aliás vive uma "sinuca de bico": precisa que o PSB tenha candidato para dividir votos de Dilma e forçar um segundo turno de Dilma com Aécio, mas se o PSB tiver um candidato mais forte que Aécio, como é Marina aparentemente, de nada adianta o segundo turno se eles não estarão nele.
E para o PT o risco é perder o cômodo discurso que tinha em mobilizar o medo da esquerda em relação ao PSDB. Não parecia haver muita preocupação em responder às ruas, em tratar dos quatro últimos anos de paralisia em avanços sociais e afastamento vertiginoso do poder central em relação à sociedade, aos movimentos, sindicatos, etc. O toque de midas era inverter a lógica que elegeu Tiririca: "pior do que está, pode ficar ... se o PSDB voltar". Com uma terceira via forte, e de esquerda, no debate, o PT precisa mais do que se dizer menos pior que o PSDB, precisa justificar porque depois de 12 anos ainda é melhor que qualquer outra opção. Porque apesar do índice de insatisfação e desejo de mudança ser de quase 70%, essa mudança deve ser feita sem mudar os governantes.

Além disso, surge o fator do constrangimento. Dilma podia se aliar a Sarney, Collor (!!!), Renan Calheiros, Maluff, Kátia Abreu e os ruralistas desmatadores sem se preocupar em que a "confundissem" com a direita. Era só apontar pro Aécio e dizer: ele é mais de direita, ainda. Quando Marina surge como inimiga numero um dos desmatadores, ruralistas, rentistas e alto empresariado, defendendo radicalização democrática, uma política econômica que fere os interesses dos grandes barões da Bolsa, apesar de ter de conviver a contragosto com as adesões proporcionadas por Campos, como Bornhausem, ela constrange o PT pela esquerda, algo para o que o PT não se preparou e nem poderá se esquivar agora que está em campanha aliado a todas estas figuras da direita mais reacionária nacional.

O PSDB também tem mais a temer. Sua base eleitoral é o Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste, regiões mais ricas e mais escolarizadas. Entretanto, estas são justamente as bases onde Marina teve sua maior concentração de votos. A campanha do PSB pode simplesmente meter o pé na porta destas três regiões onde até hoje não penetrara. Não se trata só de um crescimento do candidato do PSB, mas de um crescimento sobre o eleitorado de Aécio, tirando votos diretamente dele.

PSB: ser ou não ser, eis a questão
Dadas todas estas considerações, precisamos enfim abordar as decisões que o PSB terá de tomar nos próximos dias; Se o PSB lançar mesmo Marina, como tem sido dito, entrará de vez para o cenário nacional. Fará uma grande bancada federal, potencializará candidaturas pro Senado e Governos Estaduais, e se inserirá no imaginário popular junto do PT e PSDB. Esta inserção talvez seja a maior conquista. Ela é a diferença entre gastar muito tempo e muitos milhões para unicamente se inserir na disputa e investir este tempo e este dinheiro pra, já inserido na disputa, progredir nela. Quando o eleitor já procura pela legenda, e não a legenda tem que lembrar que existe pro eleitor, metade do caminho ou mais já foi trilhado.

Por outro lado, Marina fez uma aliança clara e honesta com o PSB: filiação temporária. Como dito, positivo pra ela e pro PSB, que sem ela, ou com ela disputando pela Rede, estaria patinando junto do PSOL. Assim, em janeiro Marina sairá, e todos os militantes da Rede irão formalizar a Rede. Isso não passa nem longe (quanto mais perto) de uma traição. As condições sempre foram essas. E se Marina vence a eleição e vira presidenta? Ela já disse e o PSB parece não querer redebater o tema, ela irá pra Rede da mesma forma. O PSB claro que será maioria no governo, terá o vice, estará de vez na cabeça das pessoas e terá 4 anos pra se tornar um dos maiores partidos do país. Não parece tão ruin, mesmo desta perspectiva. E se Marina não vencer, mas fizer excelente aparição, talvez indo pro segundo turno, o PSB só terá a agradecê-la quando sair.

Desta forma, o raciocínio mais lógico aponta mesmo pro PSB colocar marina como cabeça de chapa e manter a candidatura à presidência. Roberto Amaral, presidente em exercício com a morte de Eduardo, é um histórico aliado de Lula. Ele ajudou a sepultar pretensões de Garotinho e Ciro Gomes em benefício de aliança com o PSB. Era contra a candidatura de Eduardo até que ela se mostrou inevitável, foi adversário contumaz da entrada de Marina e da Rede no PSB. Por essas razões foi, evidentemente, bombardeado com insinuações dos ganhos que teria se aproveitasse o momento para retirar a candidatura do PSB. Deve ter ficado entre o fisiologismo e a coragem. Entretanto, retirar a candidatura agora poderia rachar o partido, revoltando a base nordestina, pernambucana, os aliados de Campos no país inteiro e destroçando a imagem do partido na sociedade. "Seu Miague" é inteligente. Fala com certa dificuldade e com a mão no ombro da pessoa com quem está negociando, numa comunicação não-verbal de quem sabe os caminhos tortuosos da política. Soube (ou saberá) pesar estas questões.

A questão d@ vice.
Decidindo-se pela candidatura de Marina, o partido cai numa decisão ainda mais difícil: quem será seu vice. Ou sua vice. A primeira preocupação é balancear a candidatura, uma vez que Campos servia de para-raios para as críticas contra Marina (já debatidas acima). Se Marina torna a chapa muito mais de esquerda e muito mais "pós-moderna", com apelo para a multidão que contesta o modelo político, os setores mais conservadores, que se posicionam em relação a idéias econômicas mais tradicionalmente, ou que tem restrições com evangélicos, estes irão se afastar da candidatura se esta não recolocar um elemento forte que as passe segurança de que as diretrizes não tenderão mais à esquerda ou mais aos evangélicos. Desse ponto de vista, o vice teria de dialogar com o mercado, o setor produtivo agrário e os anti-evangélicos.

segundo ponto a ser buscado no vice é que ele seja capaz de passar confiança para dentro do próprio partido. Que sua presença na chapa garanta que num possível governo, com Marina saindo do PSB, o partido continuará dando as cartas. Tem de ser alguém que agregue pra fora, e pra dentro também.

terceiro quesito importante é a origem deste vice. Duas hipóteses se abrem: Um(a) nordestino(a), para manter minimamente o eleitorado de Campos sem que este migre pra Dilma em manada, ou alguém do Sudeste, concretando o "pé na porta" que Marina deve dar na região Aecista. Num primeiro turno, ter o vice do Sudeste pode ajudar a retirar Aécio do caminho, mas chegando ao segundo a chapa estará muito centrada no eleitor urbano, escolarizado e com poder aquisitivo maior. Já um vice nordestino não contribuiria decisivamente no primeiro turno, mas em caso de mesmo assim passar pro segundo, poderá ser determinante para a campanha contra Dilma.

quarta e última grande variável é o gênero do candidato. Uma chapa "casal", como já era, apela bastante pro eleitor médio, reforçando através da semiótica  muitos valores sociais favoráveis. Assim, um homem ajuda a  passar aquela imagem eivada de preconceitos, mas funcional, de força, solidez, etc. Já uma mulher, fazendo uma chapa puramente feminina pode, pelo ineditismo, ter efeito parecido com o que Dilma explorou em 2010. O voto feminino poderia aumentar levemente, e um voto militante e de esquerda poderia também ser agregado por este gesto.
Considerando estes quatro pontos, vamos analisar os nomes disponíveis ou lembrados, ou mesmo que eu penso terem alguma relevância nesse debate.

Márcio França é o nome mais forte do partido. Alia domínio da burocracia com bom desempenho eleitoral. Mas é o ápice da "velha política", faz acordo com todo mundo, sem restrições ideológicas, morais ou programáticas. Para se ter uma ideia, forçou o PSB a ser vice de Alckmin em São Paulo, mesmo com veto de Marina e seu grupo. Ele próprio é o vice de Alckmin, que deve ganhar no primeiro turno e lhe outorgar uma máquina gigantesca que possivelmente o consolide como novo grão-mestre do partido após a morte de Campos.

Roberto Amaral, de quem já falamos, sempre esteve mais para um líder honorífico do que prático. É um intelectual do partido, mas não tem densidade eleitoral, carisma ou mesmo vontade de estar ao lado de Marina, quanto mais contra a candidata do Lula.

Luiza Erundina é uma das mulheres que poderia formar dupla com Marina. Nome histórico na esquerda, daqueles que praticamente não tem quem seja capaz de falar contra, tem pesando contra si o fato de ser oriunda do PT (isso impacta mais pro mercado) e de ser absolutamente contrária a acordos esdrúxulos, na mesma intensidade de Marina, ou maior. Dois anos atrás desistiu de ser vice de Haddad pelo acordo que o PT fez com Paulo Maluff. Maluff entrou por uma porta e ela saiu por outra. Erundina é demasiadamente parecida com Marina para ser a escolha.

Romário é um nome popular, conhecido nacionalmente, e teria certamente forte apelo. Mas tem uma candidatura consolidada pro Senado no Rio, liderando com folga e com perspectivas de crescimento. Seu perfil provocador também não ajudaria a melhorar a já delicada imagem de Marina junto aos setores de pressão.

Rodrigo Rollemberg também se encontra em situação semelhante. candidato ao governo do Distrito Federal, se confirmada a impugnação do líder da corrida Inácio Arruda, estará empatado com o atual governador Agnelo Queiroz do PT. Com Marina como candidata, deve crescer bastante, já que em 2010 Marina simplesmente ficou em primeiro no DF. Outro fator relevante é que Reguffe, candidato ao Senado pelo PDT no DF, lidera com folga as pesquisas e também é um dos que irão pra Rede e apoia Marina. A aproximação natural deles na campanha ajudará Rollemberg. Não faz muito sentido abandonar tudo isso.

Beto Albuquerque é candidato ao Senado no Rio Grande do Sul, mas tem um terço dos votos do primeiro colocado e está em terceiro, distante do segundo. Beto é lider do PSB na Câmara e um dos maiores nomes do PSB nacional. Seu nome é uma das apostas com maiores chances de ser escolhido para ser vice. Beto ainda foi fiador da entrada de Marina no PSB e participou do comitê que preparou o programa de governo entre o PSB e a Rede. Socialista histórico, está no partido antes mesmo de Miguel Arraes e Eduardo Campos. Sua presença na chapa certamente uniria o partido. Também serviria para Marina entrar de vez no eleitorado do Sul, onde ela vai bem, mas não tanto quanto no Sudeste.

Júlio Delgado é candidato a deputado federal por Minas Gerais e filho do candidato ao governo do Estado por lá, Tarcísio Delgado. Além disso, presidente do PSB mineiro e nome de destaque do PSB nacional. Advogado e deputado federal, Júlio foi o relator da cassação de José Dirceu. Tem o fator negativo de ter saído do PPS brigado com o eterno presidente de lá, Roberto Freire, integrante da atual aliança. A seu favor, o fato de vir de Minas, onde pode ajudar a penetrar na base do eleitorado de Aécio, único Estado do Sudeste onde Marina ainda não tem entrada. Sua candidatura fortaleceria a de seu pai também.

Além destes nomes, tem sido lembrado Mauricio Rands Renata Campos, viúva de Eduardo., ambos de Pernambuco. Maurício acabou de vir do PT, e não tem tanta projeção assim, Não vejo motivos para ser o escolhido. Renata parece contar com grande simpatia de Marina e de líderes do PSB. Auditora licenciada do Tribunal de Contas, economista, dizem ser muito técnica, podendo dialogar com o mercado, e muito desenvolta ao falar, fazendo uma dobrada feminina vibrante com Marina. Mas esta amamentando o filho de 7 meses e enlutada pela perda do marido. isso, no entanto, pode ser um trunfo emocional valiosíssimo para ser utilizado, como continuidade de campos na campanha, explorando indiretamente o fato político de sua morte até o fim da campanha. É "feio" dizer isso, mas estamos sendo pragmáticos aqui.

Próximos passos
Os próximos dias serão de insônia no partido pra decidir isto. Hoje, domingo, o sepultamento de Campos promete reunir mais e 100 mil pessoas, com cobertura de toda mídia, capa de todas as revistas, Fantástico na Globo. O Nordeste inteiro parece estar sendo comovido em torno deste caso. Segunda-feira Renata já convocou reunião para apoiar o sucessor de Campos em Pernambuco, e o partido deve fechar o primeiro programa de TV para ser enviado ao TSE. Terça inicia a campanha na TV e todo o discurso já tem de estar pronto. Parece que o primeiro programa será dedicado a uma homenagem à Eduardo. Dilma e Aécio gastarão tempo fazendo o mesmo. O slogan da campanha de Eduardo que era  "Coragem pra mudar o Brasil, vou com Eduardo e Marina" parece que será levemente alterado nesse primeiro dia para "Não desistimos de mudar o Brasil, agora Eduardo é Marina". Pelo menos é o que propõe o PPS em sua página oficial.

Conclusão
Em suma, um maremoto varreu todas as certezas em relação a esta eleição. Não só presidencial, mas mesmo os arranjos locais. Ela certamente será sacudida de agora em diante com um discurso muito mais pungente, em relação àquela energia que transbordou para as ruas em 2013, não como representante dela, mas como uma campanha que buscará dialogar com ela. Marina já falava em crise da representação há anos, já usava jargões como democratizar a democracia, já propunha ação política individual, autoral, autônoma, muito antes dos cartazes e protagonismos anárquicos de 2013. Já dizia que partidos são instrumentos em decadência e que devem ser coadjuvantes de candidaturas avulsas, autônomas, e não mais donos do monopólio da política, isso tudo muito antes dos gritos de "sem partido". Não adaptou o discurso, aliás, sequer se manifestou publicamente tentando surfar nos protestos. Seu crescimento se deu por parte do reconhecimento de afinidade por parte de muitos manifestantes.
Para mim, que a cada dia acredito mais numa sociedade em redes, inserida numa era da informação, num capitalismo resignificado, cognitivo, informacional, onde o poder e o contrapoder se dão em disputas nucleadas e interligadas, onde os movimentos sociais e os indivíduos procuram um fazer político adaptado a essa realidade, no qual partidos e representações tradicionais perdem cada vez mais sentido, a candidatura de Marina, numa plataforma da Rede, dialoga quase que solitariamente com este universo.

Ninguém sabe ao certo  no que dará a Rede, "partido não-partido", de socialistas, militantes de esquerda, autonomistas, ambientalistas, jovens, quilombolas, indígenas, midiativistas, produtores culturais e visuais, certa intelectualidade das áreas do direito, ciências sociais, filosofia, biologia, inovação tecnológica, etc. Talvez essa seja sua maior virtude: estar aberta para ser o que dele estes atores quiserem (e findar daqui 10 anos, conforme estatuto). As inovações em participação e descentralização que trás podem ser um bom laboratório para práticas horizontais nos governos.
Tudo isso permanecerá como uma incógnita, mas certamente será o centro das atenções do mundo político de agora em diante, cada vez mais, principalmente pela possibilidade de "nascer " tendo já a presidente da República, vários Senadores e deputados.

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